Espiritualidade do Trabalho e nas Empresas: uma Reflexão para a Gestão de Pessoas

Daniela Cristina dos Santos, Terapeuta Ocupacional, Pós-Graduada MBA Gestão Estratégica de Pessoas, Membro do GEOEP -Grupo de Pesquisa Estudos Organizacionais e Gestão com Pessoas-UNIMEP


Marcela Hipólito de Souza Silva, Psicóloga, Pós-Graduada em Psicopatologia e Psicossomática, Pós-Graduação (aluna especial) da Saúde Coletiva – UNICAMP.


RESUMO

O presente artigo discute a importância da busca de aprofundamento conceitual sobre a espiritualidade do trabalho e nas empresas a partir da perspectiva da Gestão de Pessoas. Trata-se de um ensaio teórico sobre o tema exposto e abrange obras de autores e pesquisadores atuantes na área. Busca-se fornecer ao leitor um espaço reflexivo, de modo que o sentido do trabalho possa ser evocado a partir do aprofundamento conceitual da temática.

Palavras-chave: espiritualidade nas empresas, gestão de pessoas, treinamento e desenvolvimento


[1] Trabalho apresentado no 7º. Congresso de Pós-Graduação na 7ª. Mostra Acadêmica, Tema: “Ciência, Tecnologia e Inovação: a Universidade e a Construção do Futuro”. Piracicaba-SP: UNIMEP. 10 a 12 de novembro de 2009. Publicado em Anais.


INTRODUÇÃO

Diante das rápidas mudanças que a sociedade tem passado nestes últimos anos, observa-se um movimento de questionamento e resgate de valores e de sentido da vida, diante de uma sociedade individualizada e desumanizante. A busca pela espiritualidade e suas diferentes formas de mediação e expressão têm ainda que discretamente, emergido como possibilidade de resposta nesta busca de sentido. O mundo do trabalho também passa por esta crise de valores e de sentido, de modo que são retratados por diversos sinais, tais como: aumento das doenças ocupacionais relacionadas à saúde mental (ex. estresse, depressão, burnout), o aumento do desemprego e do subemprego, a obsessão pelo desempenho e o lucro, bem como pelo maior interesse da área de Gestão de Pessoas por práticas como qualidade de vida no trabalho, estratégias de humanização de gestão, responsabilidade social, preocupação com satisfação no trabalho, entre outras.

A Espiritualidade nas Empresas é um assunto que de maneira discreta tem aparecido na literatura nacional acadêmica e profissional como solução para o aumento de produtividade, porém com sentido para o trabalhador. Está também relacionada como meio de se propiciar a felicidade do individuo em seu trabalho e em sua organização.

Apesar de em termos quantitativos ser baixa a produção nacional de pesquisas na área de Gestão de Pessoas sobre o tema, o tipo de publicações encontradas são suficientes para fornecer pistas de reflexão enquanto lacunas conceituais a serem mais bem exploradas, para análise e criação de estratégias de pesquisas empíricas, e oferecem um mínimo de material de apoio para diálogo formal em situação de ensino. Também apontam a necessidade da Gestão de Pessoas dialogar com outras áreas de conhecimento como as ciências da religião, a teologia, a sociologia e a filosofia, no sentido de se sair de uma visão periférica do tema para melhor compreensão com profundidade do sentido transcendente do homem, seu trabalho e o sentido da existência das empresas para a humanidade. A literatura ligada a sociologia, filosofia e teologia traz interessantes conceitos como o mundo pós-humano, onde a tecnologia se iguala ao ser humano enquanto status e o homem vai perdendo a noção de seu papel social e a noção de si mesmo (CADERNOS IHU EM FORMAÇÃO, 2008); a hipermodernidade que tem como princípios a valorização do indivíduo e do individualismo, a promoção do mercado como sistema absoluto de regulação econômica; e o desenvolvimento técnico-científico, concebido como solução para todos os anseios da humanidade; tudo isso inserido numa sociedade do hiperconsumo que leva ao mesmo tempo a aparente felicidade e conseqüente decepção (RAUPP, 2008); e a busca pela espiritualidade porém desinstitucionalizada (não aceitação doutrinaria) e individualista (SIQUEIRA, 2008). Estas áreas de conhecimento ajudam a entender que se o ambiente organizacional carece de sentido é porque o homem está perdido enquanto humano, sem saber o que fazer com todos os excessos conquistados (autonomia, consumo, poder, etc). E ajuda também a analisar qual é a contribuição do mundo organizacional enquanto “vilã” e “vitima” nesta crise de valores atuais.

A relevância deste trabalho se deve a busca da humanização das organizações e a espiritualidade estarem aparecendo como um elemento intermediador entre homem–trabalho-empresa, para garantia de felicidade e produtividade nas empresas. Porém há a necessidade de se incentivar que mais pesquisadores e profissionais da área se interessem pelo tema, explorando tanto um aprofundamento conceitual como a inclusão deste tipo de estudo na formação de futuros gestores. Isto porque conforme afirma Penteado et al (2007) a espiritualidade nas empresas pode estar voltada para o bem, mas também para o mal, quando está voltada para o dinheiro e tem como finalidade principal ou única o bem da empresa. E ainda Vasconcelos (2007) chama a atenção de que é preciso discernir se a espiritualidade não é mais um tema de modismo na área de administração. E esta colocação tem sentido uma vez que se associa a espiritualidade ao servir, porém pouco se questiona servir a quem e a quê.


OBJETIVOS:

A partir de reflexão teórica identificar possibilidades de aprofundamento conceitual sobre a espiritualidade do trabalho e nas empresas dentro da Gestão de Pessoas.


DESENVOLVIMENTO:

Metodologia: ensaio teórico desenvolvido a partir de revisão breve de literatura. O estudo, na qualidade de um ensaio teórico procedeu da coleta de dados secundários extraídos de obras de autores e pesquisadores atuantes na área de espiritualidade do trabalho e nas empresas.


Resultados e Discussão:

Para se entender a espiritualidade nas empresas é essencial o entendimento dos seguintes conceitos de base: o quê é o espírito, a espiritualidade e a espiritualidade do trabalho.

A palavra espírito é originada do latim spiritus e significa sopro, alento, exalação. Se refere a parte imaterial, intelectual e a alma do homem. (MORA, 2005). Já a espiritualidade envolve questões quanto ao significado da vida e à razão de viver, não limitado a tipos de crenças ou práticas religiosas. Está relacionada com experiências profundas, onde a pessoa entra em contato com o mais profundo do seu ser através de sentimentos que mobilizam o individuo internamente, mexem com sua identidade ,estruturam e redirecionam sua vida. É uma experiência subjetiva, muitas vezes compreensível apenas aqueles que a experimentaram e é difícil de expressar. A experiência espiritual pode ser comparada a uma forte experiência amorosa e tem como base a vivencia comunitária e a certeza de uma presença (Deus). (GONZÁLES-QUEVEDO, 2008; VASCONCELOS, 2006)

A função da espiritualidade é dar sentido para a vida e pode ser cultivada por vários caminhos tanto através de práticas religiosas como de atividades artísticas, esportes, engajamento em causas sociais, enfim, nas próprias experiências cotidianas. (BARCHIFONTAINE ,2007; VASCONCELOS, 2006). Um ponto que é importante ressaltar é que de acordo com Vasconcelos (2006) mesmo as crises e sofrimentos podem levar a uma experiência espiritual construtiva.

A espiritualidade do trabalho é pouco comentada de forma direta nos artigos consultados mas está ligada a importância do papel do trabalho na vida do homem. Trabalhar é uma necessidade intrínseca do homem, fonte de saúde mental, portanto é importante sempre estar atento em que condições ele acontece e como mudanças sociais e econômicas interferem nas condições em que este trabalho é realizado. (SANTOS, 2006). Por uma perspectiva teológica está relacionado com a dimensão vocacional do ser humano, um sentido profundo de missão em relação à humanidade. Através do trabalho o homem e a mulher participam da obra da criação, transformando-se a si mesmos, transformando o mundo, encontrando-se com os outros homens e também com Deus. Através do trabalho de suas mãos o homem se alimenta do pão do corpo e do espírito (conhecimento, ciência, tecnologia, etc). O trabalho é composto por ação e repouso, portanto estes dois momentos devem ser contemplados, pois o repouso permite a pessoa a entrar em seu espaço interior. (JOÂO PAULO II, 2005)

A espiritualidade nas empresas ou no trabalho/ambiente de trabalho é definida como a tomada de consciência da empresa da razão de sua existência e sua missão diante de clientes e funcionários. Para tanto existe uma unanimidade entre os autores consultados que a empresa que vive sua dimensão de espiritualidade tem que rever seus valores morais e éticos estando voltada a serviço da vida. Seu rol de valores e crenças que determinam a formulação de suas políticas de gestão.( PENTEADO, et al. 2007; REGO, CUNHA e COUTO, 2007; BARCHIFONTAINE, 2007) Um destaque especial é dado na relação da empresa com seu funcionário, onde a este tem que ter respeitada sua singularidade, sua vida interior e a organização deve oferecer meios para a vivencia e expressões da espiritualidade dos mesmos, bem como a sua realização vocacional e sentido de vida (PENTEADO, et al, 2007; REGO, CUNHA e COUTO, 2007). Para que isso seja favorecido Rego, Cunha e Couto (2007) propõem as seguintes dimensões da espirtitualidade: sentido de comunidade; alinhamento do indivíduo com os valores da organização; sentido de serviço à comunidade (trabalho com significado); alegria no trabalho; oportunidades para a vida interior. Ainda nesta relação com o funcionário. PENTEADO et al. (2007) traz que diferentemente da cultura que vem de fora para dentro, a espiritualidade é algo que parte do interior da pessoa e que se faz importante o desenvolvimento também da inteligência espiritual que é aquela que ajuda a entender a si próprio e a organizar aquilo que é emocional e racional. Enquanto forma de incentivo da espiritualidade no ambiente de trabalho no que se refere a religião há um consenso entre os autores consultados de não associá-la a vivencia de religião no sentido confessional/doutrinário, pelo contrário há a preocupação de se delimitar espaços da vivencia religiosa e da espiritualidade no trabalho. No entanto Vasconcelos (2007) afirma que apesar de não ser papel da empresa o desenvolvimento da espiritualidade no seu sentido amplo (cabe as religiões) a empresa tem o poder de mudar para melhor o mundo e a vida das pessoas. O mesmo autor citando Oliveira (2001, p.117) argumenta que a empresa e a religião têm papéis complementares “onde as religiões mostram o caminho, ensinam o respeito e o amor ao próximo e ensinam a orar; as empresas dão a oportunidade de trilhar o caminho, a oportunidade de amar e respeitar o próximo e a oportunidade de arar”, que pode ser entendido no seu sentido literal de arar a terra, ou seja, ir à prática e através do trabalho transformar, cultivar e favorecer o surgimento de vida na terra potencialmente fértil, que aqui simboliza o funcionário. Nesta mesma direção o Papa João Paulo II em sua Encíclica Laborem Exercens faz afirmação semelhante ao dizer que não cabe a Igreja a análise cientifica das conseqüências das transformações do mundo do trabalho no convívio humano, porém cabe a ela “fazer com que sejam sempre tidos presentes a dignidade e os direitos dos homens do trabalho, estigmatizar as situações em que são violados e contribuir para orientar as aludidas mutações, para que se torne realidade um progresso autêntico do homem e da sociedade.” (JOÃO PAULO II, 2005, p.9)

Quanto ao papel da Gestão de Pessoas nesta temática cabe um olhar direcionado a formação de líderes, como chama a atenção Penteado et al (2007) e Vasconcelos (2007) considerando tanto as características de espiritualidade presentes no mesmo como tranqüilidade, nível de consciência diferenciado, perfil cooperativo e não competitivos que favorece ambientes de trabalho melhores e mais produtivos, bem como entender as estratégias de liderança utilizadas para lidar com a espiritualidade dos funcionários. A base da espiritualidade é a vivencia de valores éticos e considerando que o líder por excelência é quem tem a função de disseminar valores e incentivar condutas éticas no trabalho, este deve ser o primeiro foco de investimento e atenção quando se pensa a espiritualidade no contexto de trabalho.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os autores pesquisados muito ainda há para se estudar sobre o tema e fazendo coro a Vasconcelos (2007), um dos desafios da área são os estudos de avaliação de influencia da espiritualidade em temas como absenteísmo, turnouver, burnout (síndrome do esgotamento profissional), satisfação no trabalho, clima. Portanto para o tema ganhar a visibilidade que merece são necessárias muito mais pesquisas. A espiritualidade é um tema que não deve se limitar apenas a esfera intelectual na Gestão de Pessoas, porque é um tema complexo que exige uma leitura sensível da realidade e uma disponibilidade intelectual para leituras acadêmicas complexas, mergulhos profundos na subjetividade e posteriormente questionar seus próprios valores como pessoa e profissional. Neste sentido cabe o desafio de se pensar estratégias para desenvolver os profissionais de Gestão de Pessoas neste tema, para que a espiritualidade do trabalho e nas empresas ao invés de via de reflexão e crescimento não acabe correndo o risco de se tornar mais um produto de consumo na área. E ainda questionar se este tema de fato tem aparecido na formação dos profissionais. A falta de pesquisas na área pode ser inclusive reflexo da ausência do tema na grade curricular dos cursos de formação.

Por fim, a espiritualidade no contexto de trabalho é anterior a organização, então cabe refletir quais os valores que permeiam nossas vivências, haja vista que a criação de filhos, vivências familiares, comunitárias, religiosas, entre tantas, alteram, transformam e significam o sentido do trabalho.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARCHIFONTAINE, C.P. Espiritualidade nas empresas. O Mundo Da Saúde. abr/jun 31(2). 2007, p. 301-305

CADERNOS IHU EM FORMAÇÃO. A sociedade de pós-humana - A superação do humano ou a busca de um novo humano? Ano 4 Nº 29 2008

Disponível em : http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_publicacoes&Itemid=20&task=edicoes_anteriores&id=3 Acesso em 12/02/2009

GONZÁLEZ-QUEVEDO, L. O que é o encontro espiritual na vida cotidiana. In: ESPIRITUALIDADE CRISTÃ NA PÓS-MODERNIDADE: DESAFIOS E PERSPECTIVAS. Palestra. S.Leopoldo: RS. UNISINOS . 2008. Mimeografado

JOÃO PAULO II, PAPA. Carta Encíclica sobre O Trabalho Humano- “Laborem Exercens”. 13ª. Ed. São Paulo: Paulinas. 2005.

MORA, J.F. Dicionário de Filosofia Tomo II (E-J). 2ª. Ed. São Paulo: Ed. Loyola. 2005 p.887

PENTEADO, J.R.W. et al. Mesa-redonda sobre a espiritualidade nas empresas. Revista da ESPM. vol 14, ano 13, ed. n. 1 jan/fev 2007. p.94-108

RAUPP, S.R. Ser humano cristão nos dias atuais. In: SOTER (org.).21o. Congresso Anual da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Soter Edição digital – e book Paulinas 2008 , p.470-481

REGO A., CUNHA M. P.; SOUTO, S. Espiritualidade nas organizações e comprometimento organizacional. Rae-eletrônica, v. 6, n. 2, art. 12, jul./dez. 2007 http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=3840&Secao=ARTIGOS&Volume=6&Numero=2&Ano=2007

SANTOS, D. C. A promoção da saúde mental no trabalho inserido em processo de gestão de pessoas em uma organização escolar. Monografia. (Especialização em Gestão de Pessoas). Curso de Pós-Graduação lato-sensu em Gestão de Pessoas. Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba-SP. 2006

SIQUEIRA, D. O labirinto religioso ocidental. Da religião à espiritualidade. Do institucional ao não convencional. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 2, p. 425-462, maio/ago. 2008

VASCONCELOS, A. F. Espiritualidade no ambiente de trabalho: muito além do fad-management. Revista da ESPM. vol 14, ano 13, ed. n. 1 jan/fev 2007. p. 110-123

VASCONCELOS, E. M. (org) A espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 2006.



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