É muito compreensível que a espiritualidade inaciana, tão aberta à ação, ofereça algo próprio e específico à espiritualidade do trabalho. E é precisamente neste campo da vida cotidiana onde se dá a originalidade inaciana. Para S. Inácio, a vida cristã, que é carregar um "jugo" de compromisso generoso, deve ser também uma experiência de ação e contemplação, de ritmo e repouso, um repouso que não é vazio, mas "presença de Deus e comunhão".
Assim, o "trabalhar descansadamente" dos Exercícios não só tem a significação de experiência saudável, senão que se abre a uma experiência espiritual autêntica – experiência de descanso existencial – vivida na fé, mas profundamente humana. A pessoa que passa pela experiência dos Exercícios Espirituais, ordena sua vida cotidiana e converte o ritmo stressante do trabalho em repouso; unifica a vida desordenada ou dispersa e lhe devolve a capacidade de responder a Deus em qualquer situação que viva, de modo que possa "em tudo amar e servir à sua divina majestade" (EE. 233).
A pedagogia dos EE, que são pedagogia de vida cristã e pedagogia de vida humana, constitui uma ajuda de grande atualidade para que possamos encontrar um ritmo humano e humanizante no nosso "modo de trabalhar". Este é o desafio: buscar os tempos de repouso contemplativo numa sociedade na qual fácilmente nos deixamos arrastar a um tipo de vida desintegrada e sem direção, onde os ritmos trepidantes do trabalho nos impedem viver segundo as próprias leis vitais e onde o ruído, não tanto material quanto o social e existencial, nos ensurdece espiritualmente.
Vivemos tempos isolados. Espera-se por fechar um capítulo para abrir outro, autônomo e diferente. Nossas semanas vão sendo devoradas por uma sucessão de compromissos ou de projetos. Sentimo-nos realizados no fazer, no organizar, no estar a tempo pleno em atividade. O descanso é um veloz respiro para passar a outro compromisso.
Uma das formas mais freqüentes e mais perigosas de anular o potencial humanizador de nosso trabalho, é convertê-lo numa tortura mais que numa experiência positiva de crescimento pessoal ou de encontro com os outros, é esvaziá-lo de sentido através de um ritmo sufocante, é perder a paixão por aquilo que se faz quando deixamos de pôr os olhos n’Aquele que "trabalha sempre".
O "ativismo" é perversão do trabalho enquanto colaboração com o "Deus trabalhador"; correr e afadigar-se loucamente é um gasto de energia sem sentido, é cair nas redes da morte da gesticulação inútil e do lamento inoperante. Um trabalho assim vivido nos leva a sacrificar dimensões muito importantes e necessárias da vida, ou nos conduz a compulsividades e dependências que nos fazem ser o centro, rompendo a relação de companheirismo e de servidor na relação com os outros.
Diante desta insensata realidade, faz-se necessário educar-nos durante a jornada para obter pequenos espaços de silêncio e contemplação, assumindo a gestão de nosso mundo interior (por quê faço isso? para quem?). Trata-se de um exercício importante sem o qual não seria possível uma vida em plenitude. Precisamos urgentemente deter-nos, retomar o alento, libertar-nos da angústia de não conseguir fazer tudo o que deve ser feito no marco das 24 horas que definem a jornada. Na busca de paz e tranqüilidade, o primeiro passo é distanciar-nos do mito da velocidade, que só serve para os programas de software e para os grandes prêmios de Fórmula Um.
Nós, pequenos seres humanos, deixemo-nos levar pela exigência do ritmo repousante. Comecemos a praticar a pausa, as longas pausas, o passo lento, o olhar calmo e contemplativo, os gestos serenos... Viver é ser mais lentos, mais suaves, mais essenciais, mais conscientes... com mais profundidade. Com isso, teremos a serenidade para poder descobrir, ou encontrar, na vida cotidiana, pequenos tesouros que enriquecem nossos encontros. Para isso é preciso fixar e afinar os sentidos; é preciso descer de nossa máquina existencial de corrida, caminhar pela rua, deter o olhar, reconhecer os rostos, apertar a mão, intercambiar sorrisos... Assim, nosso trabalho se converterá em sinal de benção que faz crescer a beleza e o sentido das coisas; e a festa da vida não terá fim.
Textos bíblicos: Mc. 4,26-32 Ecle. 2,17-26